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Opinião

JUACY DA SILVA – Dia Mundial da Alimentação

Publicado

O Dia Mundial da Alimentação foi instituído pela ONU em 1979 no âmbito da 20.ª Conferência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Esse Dia Especial, desde 1981 tem o objetivo de promover a reflexão sobre a problemática da fome e o desenvolvimento de ações efetivas que garantam uma melhor gestão da alimentação a nível mundial.

Em 2024 o Dia Mundial da Alimentação tem como tema “Direito aos alimentos para uma vida e um futuro melhores”; sendo realizado em conjunto com o 79.º aniversário da criação FAO em 1948.

As comemorações integram diversos eventos, promovendo-se a consciencialização mundial sobre a fome, destacando a alimentação como um direito humano e estimulando ações para o futuro da alimentação, das pessoas e do planeta. A FAO organiza um conjunto de eventos e iniciativas, relacionadas com a nutrição e a alimentação, integrando a participação de um vasto conjunto de países.

“Deve-se alertar, todavia, que estes quase 8 milhões de mortes anuais devido à fome já vem sendo replicada há anos e, portanto, não deve corresponder, de fato, à realidade atual. Estimativas mais críticas afirmam que, na verdade, cerca de mais de 10 (dez) milhões de pessoas estão perdendo a vida anualmente no mundo pela falta de ter o que comer… Pode até parecer exagero, mas milhões de pessoas não terão o que comer hoje, não comeram ontem e ficarão sem comer amanhã e depois de amanhã também. Muitos seres humanos então, morreram, morrem e morrerão (sim) por falta de ter o que comer. Aponha-se que já seria um absurdo se um único homem morresse de fome na atualidade.”. Fonte: Site Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo.

“Em 2022, foram gerados 1,05 bilhão de toneladas de resíduos alimentares (incluindo partes não comestíveis), totalizando 132 quilos per capita e quase um quinto de todos os alimentos disponíveis para os consumidores… De acordo com levantamentos recentes, a perda e o desperdício de alimentos geraram de 8% a 10% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) – quase 5 vezes mais do que o setor de aviação – e uma perda significativa de biodiversidade ao ocupar o equivalente a quase um terço das terras agrícolas do mundo. O custo da perda e do desperdício anual de alimentos na economia global é estimado em cerca de US$ 1 trilhão”. Fonte: Site ONU/PNUMA -Relatório do índice de Desperdício de Alimentos 2024.

Na verdade, todos os ramos da ciência vem enfatizando a importância de uma alimentação saudável para que as pessoas tenham um ótimo nível de saúde, uma maior longevidade saudável, bem estar e possam viver com dignidade. Mas isso, lamentavelmente, não é a realidade para mais de dois bilhões de pessoas ao redor do mundo, que sofrem de insegurança alimentar, desnutrição, subnutrição e fome crônica.

O último relatório da ONU sobre a situação alimentar no mundo, com dados até o final do último ano, indica que “Em 2023, cerca de 2,33 bilhões de pessoas no mundo enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave, um número que não mudou significativamente desde o aumento brusco em 2020, em meio à pandemia da COVID-19. Entre esses, mais de 864 milhões de pessoas experimentaram insegurança alimentar grave, ficando sem comida por um dia inteiro ou mais. Esse número tem permanecido persistentemente alto desde 2020 e, embora a América Latina apresente melhora, desafios mais amplos seguem presentes, especialmente na África, onde 58% da população enfrenta insegurança alimentar moderada ou grave”

Mais grave ainda é a constatação de que dos 733 milhões de pessoas que são atingidas pela fome, em torno de 185 milhões são crianças com menos de cinco anos.

Conforme dados do Relatório da FAO/ONU sobre a insegurança alimentar e a fome no mundo, entre 1990 e 2015, “Número de pessoas que passam fome no mundo cai em 25% em 25 anos” ou seja, o número de pessoas famintas foi reduzido de 1,06 bilhões para 805 milhões e os dados do último relatório da ONU (SOFI) de 24 de junho último (2024), aponta que ainda existiam e existem 733 milhões de pessoas passando fome no mundo.

No início do ano 2000, a ONU estabeleceu os objetivos/metas do milênio,  para vigorar daquele ano até 2015, documento este que foi aprovado, apoiado e assinado por 187 países e o objetivo de número um era “Acabar com a fome e a miséria no mundo”.

Posteriormente, em 2015, com o encerramento daquele pacto (Objetivos/metas do Milênio), a ONU estabeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS, no contexto da AGENDA 2030 e novamente incluiu entre os mesmos: ODS 1. Erradicação da pobreza; ODS 2. Fome Zero e agricultura sustentável e ODS 3. Consumo e produção responsável (e sustentável).

Apesar desse “esforço” e a “adesão”, da totalidade dos países, tanto a redução da pobreza, quanto da miséria e da fome continua a passos de tartaruga. Entre 1990 e 2015 essa redução foi de apenas 1% ao ano; e entre 2015 e 2024 foi de 8,94% em 9 anos, o que corresponde a uma redução de apenas 0,99% ou seja, menos de 1% ao ano.

Neste ritmo de “tartaruga” vamos precisar mais 100 anos para eliminar esta chaga vergonhosa, ou seja,  isto só será atingido por volta do ano 2.125, quando o mundo terá um pouco mais de dez bilhões de pessoas.

A preocupação com a questão da fome no mundo “vem de longe”. Em 1798, o clérigo e economista Inglês Thomas Malthurs, publicou seu célebre ensaio denominado “Ensaio sobre o princípio da população”, também conhecido como “Teoria Malthusiana”,  em que ele advogava que o crescimento populacional ocorria de forma esponencial/geométrica enquanto a produção de alimentos apenas de forma aritmética.

A sua conclusão parecia óbvia, que a longo prazo a falta de comida provocaria altos índices de mortalidade até que um novo equilíbrio populacional seria atingido.

Todavia, o progresso da ciência e da tecnologia tiveram como resultado um crescimento da produção de alimentos, tanto total quando na produtividade por área ocupada, muito maior do que o crescimento populacional neste período.

Assim, os fatos e a realidade entre aquele ano e a atualidade tem se mostrado totalmente infundada, por mais que ainda hoje algumas pessoas por desconhecimento ou má fé ainda se apegam ao malthusianismo, insistindo no alarmismo do crescimento demográfico.

Não podemos também deixar de mencionar que no Brasil Josué de Castro, foi um dos baluartes nas discussões sobre a fome, cabendo destaque para suas duas principais obras: Geografia da Fome e Geopolítica da fome. A tese central de suas obras, ainda válidas plenamente na atualidade era de que “a fome é, antes de tudo, uma questão política” e não propriamente de saúde pública. Vale ressaltar que Josué de Castro era médico e sabia perfeitamente onde estão as raízes da fome e de suas irmãs siamesas a miséria e a pobreza.

Ao longo dos últimos 50 anos, inúmeros relatórios tanto da ONU quanto de diversas instituições renomadas, universidades e centros de estudos e pesquisas tem demonstrado que, ao lado de um número absurdo de pessoas que vivem em estado de insegurança alimentar e quase um bilhão que estão vivendo, sobrevivendo e morrendo todos os anos, tendo como causa desta situação a FOME, ainda assistimos e constatamos que em torno de 33% ou seja, um terço, de todos os alimentos que são produzidos no mundo, suficientes para alimentar mais de 1,2 bilhão de pessoas (ou seja, número maior do que as pessoas que passam fome), vão parar no lixo, em decorrência do desperdício, das perdas e do consumismo por parte de quem tem recursos para adquirir esses alimentos.

O ponto central da questão da equação produção de alimentos x insegurança alimentar e fome, é a falta de recursos financeiros, em decorrência dos baixos salários, do desemprego, subemprego, da crise climática, dos conflitos armados e das guerras, como atualmente estamos assistindo na destruição da Ucrânia e do genocídio contra o povo palestino, dos baixos índices educacionais, de variáveis culturais, religiosas e assim por diante.

Existem países como o Brasil e até mesmo outros como os EUA, que são as duas maiores “potências” na produção de alimentos, ou mesmo outros como os integrantes da União Europeia, a Argentina, a Austrália, o Japão,  a China, a Índia e diversos outros como a grande maioria dos países africanos que tem um elevado percentual de pobres em sua população, ou seja, pessoas que não dispõem de renda suficiente para a aquisição de alimentos para desfrutarem de níveis adequados para até mesmo sua sobrevivência.

Quando refletimos sobre essas questões, produção de alimentos x pobreza x fome x miséria, não podemos deixar de também refletir sobre a questão salarial no Brasil, tendo o valor real, ou seja, o poder de compra do salário mínimo, criado em 1943 em nosso país e que estabelecia que o valor do mesmo deveria ser suficiente para “cobrir” os gastos de uma família de quatro pessoas com ALIMENTAÇÃO, habitação, vestuário, higiene e limpeza, lazer, saúde, transporte etc.

A Constituição de 1988 também estabeleceu no artigo sétimo inciso IV como garantia e direito dos trabalhadores o “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Para entender a relação entre a disponibilidade da produção de alimentos, no caso do Brasil, por exemplo, onde a “pujança” do Agro enaltece um ufanismo de que alimentamos o mundo, que somos uma super potência agropecuária etc, etc, mas que mesmo assim,  o Brasil sendo o maior produtor mundial de alimentos per capita, de proteína animal e diversos cereais, a fome ainda está bem presente entre nós afetando dezenas de milhões de pessoas todos os dias.

Não se combate a fome, a miséria e a pobreza apenas com programas assistencialistas ou apelando para a solidariedade das pessoas, da sociedade, precisamos ir mais a fundo, definir políticas públicas, estratégias, planos e programas que promovam mudanças radicais nas relações de produção, de trabalho e de consumo e, neste particular, a questão do valor real ou seja o poder de compra do salário mínimo, como base para toda a pirâmide salarial é fundamental.

Em torno da 70% dos trabalhadores formais ou informais no Brasil tem uma renda mensal de no máximo 1,5 salário mínimo, valor este insuficiente sequer para alimentar corretamente e garantir a segurança alimentar de suas famílias.

O valor real ou seja o poder de compra do Salário mínimo hoje é de apenas 72% do valor real, do poder de compra que o mesmo salário mínimo tinha quando foi estabelecido no início da década de 1940.

Na América Latina o Brasil ocupa a 19ª posição em relação ao poder de compra do salário mínimo e no mundo ocupamos a 73ª posição, apesar de sermos a oitava maior economia do mundo, também estamos entre os 12 países no mundo com a pior concentração de renda e um elevado contingente de pobres, excluídos e famintos, o que não deixa de ser uma nódoa e uma vergonha para o nosso país no contexto internacional.

Antes de concluir, quando refletimos sobre esta questão no DIA MUNDIAL DOS ALIMENTOS, é fundamental que também possamos refletir sobre a questão do uso abusivo de agrotóxicos, setor este em que o Brasil é campeão mundial e Mato Grosso o Campeão brasileiro no uso de agrotóxico, muitos dos quais já proibidos em diversos países, por afetarem a qualidade dos produtos, alimentos e prejudicar a saúde do consumidor, causando, inclusive diversos tipos de câncer, além de inúmeras outras doenças.

Cabe também, mencionar que não existe falta de alimentos no mundo, existe sim falta de alimentos em diversos países, que afeta principalmente as camadas pobres e excluídas dos mesmos, em decorrência principalmente das guerras e conflitos armados, que eu reputo como a grande bestialidade humana e também pela degradação e destruição dos biomas e ecossistemas, provocando diversas consequências, incluindo a grave crise climática que está afetando o planeta como um todo, provocando desastres ambientais, alteração no regime de chuvas, degradando os solos, as águas e o ar, e, ai sim, afetando a produção agropecuária em geral e a produção de alimentos em particular, podendo, sim provocar um certo nível de escassez severo , em decorrência da frustração de safras e problemas na pecuária, dentro de mais algumas décadas, tanto no Brasil quanto em diversos outros países, com impactos na economia global.

Oxalá, nossos governantes, nossos empresários, nossas lideranças em todos os setores da sociedade brasileira e a população em geral pudessem despertar a consciência ecológica e também promovermos  uma cultura da paz e da garantia dos direitos fundamentais das pessoas (Direitos humanos em sua plenitude), só assim, estaríamos estabelecendo os fundamentos de sociedades justas, humanas e solidárias e substituindo os atuais modelos de produção que é, como diz o Papa Francisco, uma ECONOMIA DA MORTE por uma nova economia agroecológica e solidária, que é, na verdade a ECONOMIA DA VIDA, para tanto, na expressão de Francisco, precisamos “Encantar a política” e também “realmar a economia”.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista e articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email [email protected]. Instagram@profjuacy Whats app 65 9 9272 0052

 

 

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